Tristezas e alegrias de um circo mambembe.
O mundo do circo mambembe não é de fantasias. Um manto de tristeza envolve o circo e seus artistas. Melancólicos, fechados no seu ambiente de trabalho, nas improvisadas cabanas de lonas remendadas, furadas ou embaixo da lona de cobertura, quando tem, eles conhecem a dimensão do sofrimento e possuem o louco desejo da aventura, conseguindo só Deus sabe, sobreviverem.
Os circos mambembes estão espalhados pelo Estado de Sergipe e fazendo apresentações na periferia de Aracaju.
Com uma trajetória de sofrimento e de muita raça, o equilíbrio do trapézio está presente na vida, onde todos os artistas circenses fazem de tudo e conseguem descobrir o manto dos momentos melancólicos e fechados para anunciar mais um espetáculo.
- Boa noite, gente amiga!
- Boa noite!
- Está fraco.
- Boa Noite!
Queremos agradecer a todos vocês que deixaram vossos lares para assistirem o espetáculo do Circo Irmãos Rodrigues, armado no Bairro São Conrado, onde vocês vão assistir, na segunda parte do espetáculo, o Trio Às de Ouro, com Adalto, Adailton e Maria Feliciana.
- Quem quer mulher?
- Eu, eu, eu...
- Pois o nosso espetáculo apresenta bonitas rumbeiras, malabaristas, mágicos e o famoso palhaço Esculacho.
Uma noite de festa para o público do São Conrado e uma noite memorável para os artistas e família Rodrigues, proprietária do circo. Uns lençóis faziam a cortina de fundo. Algumas lambadas montadas em uma gambiarra davam o toque da iluminação. A noite estava estrelada e a boa brisa era sentida por todos, onde os imensos buracos na lona ajudavam a circulação do ar do ambiente que estava embebido de felicidade. Nas arquibancadas, um casal de namorados está sorridente. Um rapaz que adquiriu cadeira não fechava a boca quando apareciam as rumbeiras com suas provocantes danças. O palhaço fazia o seu show com piadas do dia-a-dia do pobre. Sempre colocando uma pitadinha de malícia. O mágico de cartola soltava a pomba, os cantores de música sertaneja, aplaudidos de pé; e Maria Feliciana recebia os aplausos do público quando era anunciada como a mulher mais alta do mundo. Assim encerrava o espetáculo.
Todos vão para suas casas, as lâmpadas do circo são apagadas, a rua que antes do espetáculo estava cheia, fica deserta e até os mata cachorros responsáveis pela cerca de arame farpado para evitar penetras, depois da missão cumprida, deixam seus postos.
Amanhece o dia. Lá está o mastro do circo e sua cobertura rasgada. O circo estava montado num terreno abandonado, cheio de lixo e bem perto do mangue, mas a noite cobre tudo e o circo com sua força magnetiza todos com seu apelo irresistível, onde os artistas circenses conseguem embriagar a todos, proporcionando momentos de felicidade.
Uma história de bravura
Maria Edileuza tem 37 anos e foi nascida e criada numa barraca de circo. Há 16 anos ela, seus irmãos e o marido resolveram montar em Aracaju o Circo Rodrigues, que é responsável pelo sustento de 12 pessoas.
Ela mora no circo com o pai de 80 anos, que trabalha no circo como bilheteiro e responsável pela montagem do circo. No passado, foi um trapezista de sucesso em circos de primeira categoria. O esposo de Maria Edileuza trabalha como palhaço e os quatro filhos do casal também participam do Circo Irmãos Rodrigues. O circo contrata outros artistas, além dos 12 da casa. A família faz de tudo.
O circo só procura outro espaço quando a renda cai, tendo assim um tempo para cada local. “É como cachorro, quando ele encontra um osso gordo, fica doido”, diz Maria Edileuza.
Alguns artistas ganham por espetáculo. Outros recebem por mês. Antigamente apresentava comédia. Hoje apresenta filmes pornô, a depender da cidade, horário e do público. Quando chove, rindo, conta que é uma peneira passando água da boa. Diz que está mantendo seu circo porque Deus quer.
Publicado em 23/12/1991
Fonte: jornaldacidade.net